domingo, 12 de dezembro de 2010

Istambul - Cisterna da Basílica e Dervixes na Estação Sirkeçi

Existem algumas matérias que você lê ou vê na televisão que mexem com você de tal forma que você pensa: eu preciso estar neste lugar, ver com meus próprios olhos, sentir com meus próprios sentidos.  Os dois lugares que fomos nesta tarde e noite faziam parte desta minha listinha íntima. Desde que eu li na Fantástica Volta ao Mundo de Zeca Carmargo, que eu queria estar na Cisterna da Basílica.


Desde que, não me lembro quando nem onde, eu vi um filme ou reportagem na TV mostrando os Dervixes Rodopiantes, eu queria ver e sentir esta cerimônia.


CISTERNA DA BASÍLICA - Yerebatan Sarayi 


Uma pequena casa com uma fila de pessoas na porta, que pode passar batida por alguém mais desatento, é a entrada para a atração turística mais incomum de Istambul. Fica aberta diariamente das 9 às 20 horas e o ingresso custa 10 liras turcas (cerca de 7 dollares).
55 degraus de pedra ao som de música clássica suave e do gotejar da água pingando nos levam às profundezas de uma cisterna bizantina e, por que não dizer, às profundezas da história: magnífica, encantadora, comovente (dezenas de adjetivos seriam insuficientes) e refrescante!


Este gigantesco reservatório de água subterrâneo, obra exemplar da engenharia bizantina, é uma estrutura retangular de 140 metros de comprimento por 70 de largura. 336 colunas de mármore de 9 metros de altura emergem em 12 fileiras de 28 colunas com 4,8 metros entre elas. As colunas parecem ter sido obtidas de diferentes estruturas mais antigas, constituídas de diversos tipos de material, nos estilos coríntio e dórico (ordens da antiga arquitetura grega e romana). A maioria é composta de uma única peça, mas existem algumas que são formadas por duas peças sobrepostas.


O peso do teto é distribuído para as colunas através de arcos. A visita é feita sobre passarelas de madeira construídas sobre a água. Só dois terços da estrutura original podem ser vistos; o restante foi fechado no século 19.


No canto mais à esquerda, duas cabeças de Medusas, obras primas da escultura do período romano, chamam a atenção dos visitantes. Segundo pesquisas, foram usadas simplesmente como base para as colunas. Não é conhecido de onde foram trazidas e existem vários mitos sobre a sua existência (se tiver interesse neles clique aqui).








A construção da cisterna foi encomendada pelo imperador bizantino Justiniano I em 532 para atender à crescente demanda do Grande Palácio. A água para abastecê-la vinha da floresta de Belgrado através dos 971 metros do aqueduto de Valens. Os otomanos demoraram meio século para desconfiar da sua existência e só o fizeram porque flagraram moradores retirando água e peixes em baldes dos porões de suas casas.

Os peixinhos estão lá até hoje, juntamente com moedas do mundo todo...


...e por segurança eu também atirei a minha para garantir a volta a este lugar que, para mim, foi um dos pontos altos de Istambul.


É importante citar as ótimas dicas do Arnaldo (Fotos & Fotos de Viagem) para fotografar no interior da cisterna. Mas nos lembramos somente daquela de apoiar a câmera no parapeito da passarela.

BAZAR DA CAVALARIA (Arasta Çarsisi)

Como nossa visita do dia seguinte seria à Mesquita Azul, precisávamos comprar pashiminas para cobrir nossas cabeças, visto que, de propósito, não levamos daqui.
Passamos então no Arasta Bazar, uma antiga cavalariça que ficava quase em frente ao nosso hotel. É um único corredor com duas fileiras de lojas instaladas nas antigas cocheiras, onde encontramos principalmente tapetes e artesanato. Foi infinitamente mais calmo que o Grande Bazar, o assédio comercial foi bem mais tranqüilo e os preços eram praticamente os mesmos (mas em hipótese alguma deixe de fora a experiência do Grande Bazar).

LES ARTS TURCS

Indicado pela Emilia (A Turista Acidental), é um local onde encontramos, além de caligrafias, música, artesanato, jóias e principalmente uma mina de informações sobre os Dervixes. O pessoal de lá foi também muito atencioso pela internet, respondendo em menos de 24 horas as informações solicitadas sobre as apresentações na semana que estaríamos na cidade. Eles fornecem ingressos e transporte para as apresentações, que acontecem principalmente em tres lugares em Istambul: na Estação Sirkeci, no Centro Cultural Hadjapasha e no Mosteiro Silivrkapi, na região de Fatih.


Fomos lá para garantir nossos ingressos para a apresentação à noite na Estação Sirkeci (40 liras turcas e aceitam somente dinheiro). Não é absolutamente necessário passar lá para comprar os ingressos, visto que eles são vendidos também na hora da apresentação, mas não quisemos arriscar.




A ESTAÇÃO SIRKECI ...

Em uma época da minha vida, que eu nem me lembro quando, eu era apaixonada pelos livros da Agatha Christie, entre eles o Assassinato no Expresso do Oriente. Juntar a apresentação dos Dervixes com a estação final do Expresso do Oriente mexeu com a minha imaginação e foi um fator decisivo na escolha do local.
Apesar de estar localizada a uma distância que poderíamos ir caminhando, estávamos ainda nos acostumando com a cidade, e decidimos experimentar o moderno bonde/metro (tramvay) de Istambul.
(Cartaz do Expresso do Oriente surrupiado da Wikipedia)
 
 

Esta estação foi construída para receber o famoso Expresso do Oriente, que fez sua primeira viagem Paris-Istambul em 1889. Logo se transformou numa lenda e seus passageiros eram reis, ricos e famosos. Muitos filmes e livros foram inspirados neste lendário trem e aqui, na sua estação final, a gente se sente parte deste cenário.   


Hoje a estação Sirkeci recebe trens da parte européia da Turquia, Grécia e de outros destinos da Europa.


Nossa idéia inicial era jantar no lendário restaurante desta estação, mas estava um pouco deserto e decidimos jantar mais perto do nosso hotel.


...E OS DERVIXES RODOPIANTES

Conhecidos no ocidente como Dervixes Rodopiantes, a Ordem Mavlevi foi fundada no século XIII por Jelaleddin Rumi, também conhecido como Mevlana ("nosso líder"), em Konya, no sul da Anatólia. O que vimos foi um Concerto de Música Sufi e a Cerimônia Sema, produzidos pela Sociedade Contemporânea dos Amantes de Mevlana (EMAV), sob as diretrizes do Templo Mevlevi de Gálata. O sufismo é considerado um braço místico do islamismo. O nome vem de suf ("lã" em árabe), pois os primeiros sufistas faziam voto de pobreza e abnegação e usavam roupas de lã áspera sobre a pele.


Inicialmente só os músicos tocaram e cantaram alguns hinos. Já começavamos a sentir o equilíbrio do ambiente.
Depois fez-se um silencio sepulcral, os dervixes foram entrando um a um e se posicionam em pé. Vestiam saias rodadas, uma capa preta e chapéus cônicos. (Dica: se você ficar do lado direto de quem entra na sala, ficará de frente para eles).


Sentaram-se no chão sobre pequenos tapetes de lã, fizeram uma reverência quase tocando o chão com a fronte, levantaram, tiraram a capa, cumprimentaram o mestre, os braços cruzados sobre o peito, a cabeça ligeiramente inclinada e começaram a rodar. A palma da mão direita voltada para o céu e a da esquerda para a terra, transformando o corpo numa ligação entre os dois universos.   


Eles, os dervixes, iam rodando, rodando, rodando... Perdemos a noção do tempo. É de arrepiar e deixar a gente tonta. A cerimônia terminou e todo mundo continuou sentado, pasmo, sem conseguir levantar da cadeira. Foi quando a Nani se levantou e me perguntou como estariam os "otolitos" deles (para quem, como eu, não se lembrava das aulas de ciências, são aqueles ossinhos do ouvido responsáveis pelo equilíbrio). Só assim para eu sair do meu transe particular. Valeu cada minuto. Saí de lá com a alma lavada. E na primeira oportunidade comprei um deles (que roda!) para levar para casa de lembrança.


Veja algumas cenas da cerimônia dos Dervixes que participamos:




Ao atravessarmos a Praça Sultanahmet, em busca de um restaurante próximo ao nosso hotel, mais um brinde nos esperava naquela noite mágica:


A Mesquita Azul e ...


... a Santa Sofia iluminadas.


Eu tive que jogar minha moedinha na fonte, para garantir minha volta a esta cidade que, em apenas um dia, já tinha me conquistado.

Jantamos no Rami, o restaurante vizinho que víamos da janela do nosso quarto do hotel, recomendado pelo Guia Visual da Folha como um dos mais bonitos do bairro.   Pertence ao filho de um pintor impressionista turco deste século, Rami Uluer. Está instalado numa casa de madeira restaurada e decorado com obras do pintor. Serve cozinha otomana e não aceita cartão de crédito. Mas eles avisam logo na entrada.
Comemos kebab com molho de iogurte e karides güveç (camarão com pimentão e tomate ensopados, servido em cumbuca de cerâmica). De sobremesa o firinda sütlaç, um pudim de arroz assado no forno e servido frio, muito popular em Istambul.


Próxima escala: Istambul - Palácio Topkapi, Mesquita Azul, Museu dos Mosaicos e Cemberlitas Hamam


domingo, 3 de outubro de 2010

Istambul – Islamismo e Santa Sofia

Começamos a sentir as diferenças culturais desta viagem na fila do check-in da Turkish no aeroporto de Guarulhos: a fisionomia das pessoas, o idioma, as mulheres com lenços na cabeça...
Nosso vôo foi pontual e tranquilo. Dormimos durante grande parte das 12 horas do trajeto. Pousamos ao cair da noite sob uma chuva fina, com a visão dos minaretes das muitas mesquitas da cidade.

A ansiedade de chegarmos sozinhas a um país muçulmano, ainda que ocidentalizado, era grande. O idioma nos intimidava um pouco, mas nosso receptivo estava lá com a plaquinha com nossos nomes. Mesmo falando só meia dúzia de palavras em inglês, ele nos ofereceu água, bolinho e nos deixou no hotel Blue House Mavi Ev, muito bom e bem localizado, a 50 metros da praça Sultanahmet, no coração de Istambul.

Ao abrirmos a nossa janela fomos recepcionadas com a Mesquita Azul iluminada. Uma visão indescritível, mesmo com o restaurante vizinho encobrindo parcialmente. Mais emocionante ainda foi o primeiro chamado para a oração, que coincidiu com a hora que estávamos falando via skype com minha filha Gabi. Pusemos o notebook na janela e ela compartilhou conosco este momento mágico (coisas da tecnologia).

Chuva + Cansaço = Jantar no hotel. Surpreendentemente bom para um hotel. Fizemos nossa iniciação na cozinha otomana. Experimentamos o Dana Madalyon (medalhão de carneiro com molho de cogumelos), Kuzu Pirzola (bolinhos de carne envoltos em uma massinha fina) e de sobremesa Baklava, Samsa, Kadayif e Sakerpare (uma seleção de doces turcos que seria nossa perdição nessa viagem).

E não é que fomos acordadas as 4:30 da madrugada com a voz do muesim chamando para a oração?



Alá é o Maior, Alá é Maior;
Alá é o Maior, Alá é Maior.

Eu testemunho que não há outro deus que não Alá;
Eu testemunho que não há outro deus que não Alá.

Eu testemunho que Maomé é o Mensageiro de Alá;
Eu testemunho que Maomé é o Mensageiro de Alá.

Venha orar! Venha orar!
Venha se salvar! Venha se salvar!

Alá é o Maior! Alá é Maior!
Não há outro deus que não Alá.

Os muçulmanos rezam 5 vezes ao dia. O horário das orações é calculado de acordo com o movimento do sol. A prece do meio do dia, por exemplo, começa quando o sol está no ponto mais alto de uma determinada localização. Como isto muda com as estações do ano e de acordo com o local onde você está, não há um só momento sem que uma prece seja feita ao redor do mundo. (tradução livre do panfleto What is Islam, obtido na visita à Mesquita Azul)


Nosso segundo dia em Istambul amanheceu com a mesma chuvinha fina da noite anterior, mas nada que um guarda chuva emprestado pela recepção do hotel não resolvesse. E lá fomos nós caminhando somente em companhia do guia de bolso conhecer nossos vizinhos famosos.






Veja o roteiro da nossa primeira etapa em Istambul, onde exploramos os bairros de Sultanahmet, Sirkeci e Saray Burnu (região do Palácio do Sultão):



Visualizar Istambul-Fase I em um mapa maior
 
    SANTA SOFIA (Ayasofia)

A primeira visita em Istambul não poderia ser outra senão a Basílica da Sabedoria Sagrada, um dos maiores feitos arquitetônicos do mundo, considerada a suprema maravilha da civilização bizantina e símbolo de Constantinopla. Foi construída há mais de 1400 anos, inaugurada pelo imperador Justiniano, transformada em mesquita no século 15 pelo sultão Mehmed II e em museu em 1935 pelo primeiro presidente da República Turca, Mustafa Kemal Ataturk.



Praticamente não havia filas para a entrada. No verão, a basílica fica aberta diariamente das 9h às 17h e no inverno de terça a domingo das 9h30 às 16h30. O ingresso custa 20 liras turcas (aproximadamente 12 dólares).



O prédio de tijolos vermelhos, com as ruínas de frisos bizantinos de carneiros, escondia a grandiosidade de seu interior.



Como eu havia prometido à Gabi, fomos direto fotografar a pedra fundamental, na perpendicular da cúpula. A partir deste ponto toda a estrutura da basílica foi construída. Segundo suas aulas de filosofia do colegial estes 2 pontos significam, do ponto de vista espiritual, a união entre o terreno (pedra fundamental) e o divino (cúpula).










 
É impossível não se impressionar com a grandiosidade da nave,...


...das paredes superiores ...



...e da cúpula de 56 metros de altura por 36 metros de diâmetro decorada com inscrições do Corão.


Ainda no térreo, onde os vestígios otomanos são mais evidentes, chamaram nossa atenção:

O Minbar, um púlpito elevado onde o Iman pregava o sermão das sextas feiras.

É proibida a aproximação dos visitantes, mas o gatinho (onipresente na Turquia) estava lá tranquilamente afiando suas garras. Mas não é o único gato folgado que existe. Eu conheço um, o Elvis lá de casa, que não fica atrás (aqui, verificando se estou fazendo minhas postagens direitinho).








O balcão do sultão

O Mihrab, nicho na parede que aponta a direção de Meca.


Omphalion - o local onde os imperadores bizantinos foram coroados

Biblioteca de Mahmut I...

...com sua porta decorada em bronze

O kursu, trono usado pelo Iman quando lia trechos do Corão

Urna de purificação, do período helenístico, trazida de Pergamo (hoje Bérgama)

A Porta Imperial...

...e acima dela o mosaico bizantino Cristo no Trono com um Imperador Ajoelhado diante Dele

Por uma rampa de acesso chegamos às galerias. É o local da maioria dos mosaicos bizantinos, que ficaram recobertos durante o tempo em que a basílica foi transformada em mesquita. O que apreciamos:









 Porta de Mármore, usada pelos participantes dos sínodos (época bizantina)

 Deesis – Dia do Julgamento: Cristo sendo coroado entre a Virgem Maria e João Batista

 Virgem com João II Comeno e a imperatriz Irene

 Cristo com o imperador Constantino IX Monomachus e a imperatriz Zoe

Adicionados quando foi transformada em mesquita:


 As inscrições caligráficas (estas otomanas)

 E os minaretes

Na abside ainda se vê:


 O mosaico do Arcanjo Gabriel

A Virgem com o menino Jesus no colo

Na saída do museu (ou entrada, quando era mesquita) a bela Fonte da Ablução, em estilo rococó turco. Meu joelho bem que estava precisando de uma purificaçãozinha.













Este Museu/Mesquita/Basílica é incrível! Não é a toa que foi a primeira coisa que a Nani quis visitar em Istambul. Na lojinha do museu, não resisti e comprei um caderninho com capa de mosaico, para as anotações da minha próxima viagem.






Pausa para almoço no Altin Kupa Restaurant, escolhido ao acaso. Valeu a pena pela comida honesta e principalmente pelo ritual do pottery kebab. Este prato pode ser de carne, cordeiro ou frango, assado com ervas em um pote de barro, que chega flamejando à mesa (veja aqui). A tampa do pote é quebrada com um único golpe de sabre pelo garçom. Pena que já estamos saboreando os nossos kebabs simples quando vimos o ritual na mesa ao lado. Pedimos este mesmo prato em 2 outros restaurantes na Capadócia, mas não veio com toda esta pompa.

Próxima escala: Istambul - Cisterna da Basílica e Dervixes na Estação Sirkeçi