Existem algumas matérias que você lê ou vê na televisão que mexem com você de tal forma que você pensa: eu preciso estar neste lugar, ver com meus próprios olhos, sentir com meus próprios sentidos. Os dois lugares que fomos nesta tarde e noite faziam parte desta minha listinha íntima. Desde que eu li na Fantástica Volta ao Mundo de Zeca Carmargo, que eu queria estar na Cisterna da Basílica.
Desde que, não me lembro quando nem onde, eu vi um filme ou reportagem na TV mostrando os Dervixes Rodopiantes, eu queria ver e sentir esta cerimônia.
CISTERNA DA BASÍLICA - Yerebatan Sarayi
Uma pequena casa com uma fila de pessoas na porta, que pode passar batida por alguém mais desatento, é a entrada para a atração turística mais incomum de Istambul. Fica aberta diariamente das 9 às 20 horas e o ingresso custa 10 liras turcas (cerca de 7 dollares).
55 degraus de pedra ao som de música clássica suave e do gotejar da água pingando nos levam às profundezas de uma cisterna bizantina e, por que não dizer, às profundezas da história: magnífica, encantadora, comovente (dezenas de adjetivos seriam insuficientes) e refrescante!
Este gigantesco reservatório de água subterrâneo, obra exemplar da engenharia bizantina, é uma estrutura retangular de 140 metros de comprimento por 70 de largura. 336 colunas de mármore de 9 metros de altura emergem em 12 fileiras de 28 colunas com 4,8 metros entre elas. As colunas parecem ter sido obtidas de diferentes estruturas mais antigas, constituídas de diversos tipos de material, nos estilos coríntio e dórico (ordens da antiga arquitetura grega e romana). A maioria é composta de uma única peça, mas existem algumas que são formadas por duas peças sobrepostas.
O peso do teto é distribuído para as colunas através de arcos. A visita é feita sobre passarelas de madeira construídas sobre a água. Só dois terços da estrutura original podem ser vistos; o restante foi fechado no século 19.
No canto mais à esquerda, duas cabeças de Medusas, obras primas da escultura do período romano, chamam a atenção dos visitantes. Segundo pesquisas, foram usadas simplesmente como base para as colunas. Não é conhecido de onde foram trazidas e existem vários mitos sobre a sua existência (se tiver interesse neles clique aqui).
A construção da cisterna foi encomendada pelo imperador bizantino Justiniano I em 532 para atender à crescente demanda do Grande Palácio. A água para abastecê-la vinha da floresta de Belgrado através dos 971 metros do aqueduto de Valens. Os otomanos demoraram meio século para desconfiar da sua existência e só o fizeram porque flagraram moradores retirando água e peixes em baldes dos porões de suas casas.
Os peixinhos estão lá até hoje, juntamente com moedas do mundo todo...
...e por segurança eu também atirei a minha para garantir a volta a este lugar que, para mim, foi um dos pontos altos de Istambul.
É importante citar as ótimas dicas do Arnaldo (Fotos & Fotos de Viagem) para fotografar no interior da cisterna. Mas nos lembramos somente daquela de apoiar a câmera no parapeito da passarela.
BAZAR DA CAVALARIA (Arasta Çarsisi)
Como nossa visita do dia seguinte seria à Mesquita Azul, precisávamos comprar pashiminas para cobrir nossas cabeças, visto que, de propósito, não levamos daqui.
Passamos então no Arasta Bazar, uma antiga cavalariça que ficava quase em frente ao nosso hotel. É um único corredor com duas fileiras de lojas instaladas nas antigas cocheiras, onde encontramos principalmente tapetes e artesanato. Foi infinitamente mais calmo que o Grande Bazar, o assédio comercial foi bem mais tranqüilo e os preços eram praticamente os mesmos (mas em hipótese alguma deixe de fora a experiência do Grande Bazar).
LES ARTS TURCS
Indicado pela Emilia (A Turista Acidental), é um local onde encontramos, além de caligrafias, música, artesanato, jóias e principalmente uma mina de informações sobre os Dervixes. O pessoal de lá foi também muito atencioso pela internet, respondendo em menos de 24 horas as informações solicitadas sobre as apresentações na semana que estaríamos na cidade. Eles fornecem ingressos e transporte para as apresentações, que acontecem principalmente em tres lugares em Istambul: na Estação Sirkeci, no Centro Cultural Hadjapasha e no Mosteiro Silivrkapi, na região de Fatih.
Fomos lá para garantir nossos ingressos para a apresentação à noite na Estação Sirkeci (40 liras turcas e aceitam somente dinheiro). Não é absolutamente necessário passar lá para comprar os ingressos, visto que eles são vendidos também na hora da apresentação, mas não quisemos arriscar.
A ESTAÇÃO SIRKECI ...
Em uma época da minha vida, que eu nem me lembro quando, eu era apaixonada pelos livros da Agatha Christie, entre eles o Assassinato no Expresso do Oriente. Juntar a apresentação dos Dervixes com a estação final do Expresso do Oriente mexeu com a minha imaginação e foi um fator decisivo na escolha do local.
Apesar de estar localizada a uma distância que poderíamos ir caminhando, estávamos ainda nos acostumando com a cidade, e decidimos experimentar o moderno bonde/metro (tramvay) de Istambul.
(Cartaz do Expresso do Oriente surrupiado da Wikipedia)
Esta estação foi construída para receber o famoso Expresso do Oriente, que fez sua primeira viagem Paris-Istambul em 1889. Logo se transformou numa lenda e seus passageiros eram reis, ricos e famosos. Muitos filmes e livros foram inspirados neste lendário trem e aqui, na sua estação final, a gente se sente parte deste cenário.
Hoje a estação Sirkeci recebe trens da parte européia da Turquia, Grécia e de outros destinos da Europa.
Nossa idéia inicial era jantar no lendário restaurante desta estação, mas estava um pouco deserto e decidimos jantar mais perto do nosso hotel.
...E OS DERVIXES RODOPIANTES
Conhecidos no ocidente como Dervixes Rodopiantes, a Ordem Mavlevi foi fundada no século XIII por Jelaleddin Rumi, também conhecido como Mevlana ("nosso líder"), em Konya, no sul da Anatólia. O que vimos foi um Concerto de Música Sufi e a Cerimônia Sema, produzidos pela Sociedade Contemporânea dos Amantes de Mevlana (EMAV), sob as diretrizes do Templo Mevlevi de Gálata. O sufismo é considerado um braço místico do islamismo. O nome vem de suf ("lã" em árabe), pois os primeiros sufistas faziam voto de pobreza e abnegação e usavam roupas de lã áspera sobre a pele.
Inicialmente só os músicos tocaram e cantaram alguns hinos. Já começavamos a sentir o equilíbrio do ambiente.
Depois fez-se um silencio sepulcral, os dervixes foram entrando um a um e se posicionam em pé. Vestiam saias rodadas, uma capa preta e chapéus cônicos. (Dica: se você ficar do lado direto de quem entra na sala, ficará de frente para eles).
Sentaram-se no chão sobre pequenos tapetes de lã, fizeram uma reverência quase tocando o chão com a fronte, levantaram, tiraram a capa, cumprimentaram o mestre, os braços cruzados sobre o peito, a cabeça ligeiramente inclinada e começaram a rodar. A palma da mão direita voltada para o céu e a da esquerda para a terra, transformando o corpo numa ligação entre os dois universos.
Eles, os dervixes, iam rodando, rodando, rodando... Perdemos a noção do tempo. É de arrepiar e deixar a gente tonta. A cerimônia terminou e todo mundo continuou sentado, pasmo, sem conseguir levantar da cadeira. Foi quando a Nani se levantou e me perguntou como estariam os "otolitos" deles (para quem, como eu, não se lembrava das aulas de ciências, são aqueles ossinhos do ouvido responsáveis pelo equilíbrio). Só assim para eu sair do meu transe particular. Valeu cada minuto. Saí de lá com a alma lavada. E na primeira oportunidade comprei um deles (que roda!) para levar para casa de lembrança.
Veja algumas cenas da cerimônia dos Dervixes que participamos:
Ao atravessarmos a Praça Sultanahmet, em busca de um restaurante próximo ao nosso hotel, mais um brinde nos esperava naquela noite mágica:
A Mesquita Azul e ...
... a Santa Sofia iluminadas.
Eu tive que jogar minha moedinha na fonte, para garantir minha volta a esta cidade que, em apenas um dia, já tinha me conquistado.
Jantamos no Rami, o restaurante vizinho que víamos da janela do nosso quarto do hotel, recomendado pelo Guia Visual da Folha como um dos mais bonitos do bairro. Pertence ao filho de um pintor impressionista turco deste século, Rami Uluer. Está instalado numa casa de madeira restaurada e decorado com obras do pintor. Serve cozinha otomana e não aceita cartão de crédito. Mas eles avisam logo na entrada.
Comemos kebab com molho de iogurte e karides güveç (camarão com pimentão e tomate ensopados, servido em cumbuca de cerâmica). De sobremesa o firinda sütlaç, um pudim de arroz assado no forno e servido frio, muito popular em Istambul.
Próxima escala: Istambul - Palácio Topkapi, Mesquita Azul, Museu dos Mosaicos e Cemberlitas Hamam